O Santo de uma Terra: Sanfins de Ferreira

A história de Sanfins de Ferreira brota dos seus castros, das suas moedas e aras romanas, das suas sepulturas suévicas, dos seus topónimos e das suas lendas mouras, dos seus registos no Livro de Mumadona, das suas Vila Colina e Vila Cova, do seu  Couto e do seu Mosteiro, dos conflitos entre as Dioceses (Braga e Porto), das suas referências na 1ª inquirição régia (1220), dos seus fidalgos e cavaleiros (Ferreira), da sua Igreja (S. Félix), da sua Honra de Nuno Álvares Pereira, da sua Comenda (Ordem de Cristo), do seu 1º comendatário (D. Miguel da Silva, Cardeal da Santa Sé), dos seus afrescos renascentistas, do seu Tombo no Foral da Honra de Sobrosa, do Tombo da sua Igreja e Comenda, das suas casas e dos seus solares brasonados, das Revoluções Liberais.

Sam Fins ou Sam Félix é orago de igreja no antigo Termo de Ferreira. O culto a Sam Félix de Girona (festa a 1 de agosto) é anterior à entrada dos mouros na Península Ibérica e desse tempo Suévico/Visigótico (século VII) há registos da existência de sepulturas escavadas na rocha, nas imediações da antiga Igreja de Sanfins de Ferreira.

Ainda antes da fundação de Portugal, nos tempos dos condes (datado de 976) temos a certeza da existência de frades da Ordem de S. Paulo e as referências documentais do” Mosteiro de Santa Maria de Cacães” (território que se situa nos fins de Eiriz, junto à Trindade – S. Salvador de Meixomil), onde fala do bispo São Cibrão. S. Cibrão é ainda hoje topónimo de Sanfins de Ferreira e de sua capela restam ruínas. Situado na encosta do Castro, entre Sanfins de Ferreira, Portela (Codessos) e São Mamede de Negrelos, S. Cibrão foi marcante na vida destas terras: foi doado por Mumadona (séc. X), aparece como sendo Reguengo (Inquirições de 1258), pertence à Terra de Ferreira (Foral, 1514) e integra a Comenda de Sanfins de Ferreira (Tombo, 1545).

Da Idade Média temos também o cemitério e a capela de S. Romão, lá no alto da colina (Citânia), assim como a existência de pratos e bilhas, encontrados recentemente, na bouça da Freiria. Destes tempos e desta Freiria temos o registo documental da existência de um Mosteiro.

Ainda antes da Nacionalidade, este território (“Vila Colina” e “Vila Cova”), é várias vezes referido no Livro a Mumadona (ano de 1059), é afirmado como sendo “em Ferreira”, e que Ferreira é o nome dado a toda esta Chã onde brota o rio Ferreira.

Com a descida dos ferreiros de “Vila Colina” (Citânia) para zonas mais planas e mais férteis, “Vila Cova” tornou-se o grande núcleo habitacional e o centro de decisões das gentes que vitalizaram o seu Mosteiro “Francisquo Saam Fyns de Ferreira”, o seu “Termo de Ferreira”, a sua “Honra de Ferreira” e a sua “Igreja de Sam Fins de Ferreira”.

No período da reconquista, foi restaurada a Diocese de Braga (1070) e Ferreira ficou a pertencer-lhe. Há registos que afirmam que, no ano de 1111, o cavaleiro Soeiro Viegas é senhor do “Couto de Fins de Ferreira” e que aqui fundou um mosteiro. O título nobiliárquico de “senhor do Couto de Fins de Ferreira” é referido ainda ao longo do século XIII.

Em 1113, quatro décadas depois do restauro da Diocese de Braga, é restaurada a Diocese do Porto (1113) e desde logo começou a luta pelos domínios desta Chã Ferreira e pelo seu Couto.  Este território e Couto foi então dividido. A Diocese do Porto fica com os domínios que integravam o Termo de Aguiar e o seu “novo” Mosteiro de S. Pedro de Ferreira. Arquidiocese de Braga acaba por assegurar os domínios correspondentes ao Termo de Ferreira a sua antiga Igreja de S. Fins de Ferreira.

É neste contexto de constante tensão entre Dioceses (de Braga e do Porto), entre os Senhores e o Rei e entre o Rei e as Igrejas, que se deve perceber a dinâmica e a importância desta antiga Chã de Ferreira: suas Honras, suas Igrejas, seu Couto, seus Mosteiros, suas Comendas, seus Forais.

O que ficou a dividir as dioceses (Braga e Porto) foi a bacia hidrográfica do rio que hoje é conhecido como “Rio Carvalhosa” e que tem a sua nascente mais distante da foz do “Rio Ferreira”, na sede da antiga Terra de Ferreira, situada em Santiago de Lustosa.

O nome desta Igreja de Sanfins aparece já nas Inquirições Régias (1220) como pertencendo à Braga. Por este documento régio, ficamos a saber que esta terra é no “Termo de Ferreira” e que o seu orago é S. Félix (“Sancto Felici”), Igreja bastante rica, possuindo “sesnarias”, “casais (viiij)”, “um campo” em Cacães e “meia ermida”.

O Termo de Ferreira tinha por centro a Honra da Quintã de Ferreira. O Termo de Ferreira era uma divisão administrativa, similar aos atuais concelhos, e abrangia o território que, até 1882, pertenceu à Arquidiocese de Braga e que corresponde a: Santa Cruz (Cacães); S. João de Eiriz; S. Fins; S. Tiago de Carvalhosa; S. João de Portela (Codessos);  S. Tiago de Lustosa e S. João de Souselas . Note-se que a antiga igreja de S. Pedro da Raimonda (Godosende) integrava S. Tiago de Lustosa e que Santa Maria de Lamoso integrava S. Fins de Ferreira, como se pode verificar nas inquirições de 1258.

Por tudo isto é dado concluir que a identidade de cada terra germinou com seus oragos e, tal como agora, cada terra já tinha o seu padroeiro:  Eiriz, tem S. João; Carvalhosa, tem S. Tiago; Lamoso, tem Santa Maria; Figueiró, tem S. Tiago; Codessos, tem S. João; Ferreira, tem S. Fins.

Sobre a presença ou posses da Ordem do Templo ou de Cavaleiros Templários, tal como nas outras freguesias que constituem o concelho de Paços de Ferreira, não há qualquer registo. O Cruzeiro que se encontra no Museu Municipal do Móvel, e que serve de elemento central na heráldica municipal e em várias freguesias, nomeadamente Sanfins de Ferreira, encontrou-se, até ao ano de 1979, nos territórios da Confraria das Almas de Sanfins de Ferreira, no largo do entroncamento da atual rua Cruzeiro dos Templários com a rua da Confraria.

Quando o Termo de Ferreira foi integrado no Termo de Aguiar, conforme as Inquirições Régias de 1258, S. Fins surge como sendo “de Ferreira”: “Igreja de Sancti Felicis Ferrarie”.  Quando nestas Inquirições se inicia o interrogatório ao “Mosteiro de São Pedro de Ferreira”, logo se percebe as relações deste Mosteiro com Vila Cova, de Sanfins de Ferreira.

O nome “Ferreira” tem uma raiz e um sentido histórico: os ferreiros moravam na Citânia e foram descendo para as terras mais próximas dos campos, das fontes e das nascentes. No antigo lugar de Ferreira, entre a Rua da Fervença, e a Rua do Alambique, ao início da Rua dos Ferreiros, continua a jorrar uma das múltiplas nascentes do Rio Ferreira.

O nome desta terra é tão importante que acabaria por ser adoptado pelos senhores que a possuíam e os Ferreira foram distintos cavaleiros. Os Ferreira foram senhores da “Igreja de S. Fins de Ferreira”, da “Honra de Ferreira”, da “Terra de Ferreira”, e guardam o seu brasão cravado – ainda hoje – na Casa do Paço (em Ferreira, na atual paróquia de S. João de Eiriz) e na Solar dos Brandões (em Igreja, na atual paróquia de S. Pedro e Sanfins de Ferreira).

Em 1258 (Inquirições Régias) Sanfins de Ferreira mantém as suas possessões e afirma-se que Santa Maria de Lamoso era anexa à Igreja de Sanfins de Ferreira.

Nos tempos da fundação da Dinastia de Avis, (séc. XIV), S. Fins de Ferreira continuou a ser distinta e foi Honra do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, tendo passado para o seu sobrinho, o cavaleiro D. João Rodrigues Pereira. Ainda hoje, junto ao lugar da Torre, há o lugar e Casa da Pereira e a secular Calçada da Pereira, que leva à Citânia.

O rei D. Manuel confirma a importância estratégica de Sanfins de Ferreira e, nos inícios dos anos 1500, transforma esta Igreja em “Igreja e Comenda de Samfynz de Ferreira”, da Ordem de Cristo, cujo primeiro comendatário foi o humanista D. Miguel da Silva (Bispo de Viseu, Escrivão da Puridade de D. João III e Cardeal da Santa Sé).

Esta Comenda, com tombo mandado elaborar por ordem do arcebispo de Braga, em 1548, tem múltiplas parcelas, entre as quais se destacam: Meixomil (dois casais, de Bairro), Carvalhosa (um casal, de Aldozinde); Lamoso (Igreja, casal da Igreja e dois casais, de Cavaleiros); Codessos (uma quebrada, de Godim); Raimonda (um casal, de Rosende); Santa Maria de Negrelos (uma herdade, de Remesal). No centro da Comenda, como no antigo Termo de Ferreira, temos Sanfins de Ferreira. Nesta freguesia, há Igreja e Comenda, além da casa do comendador (onde hoje se encontra a sede da PATRIUM – Associação de Defesa e Divulgação do Património) e dos domínios da próprio Casa do Assento (sita no atual nº 194 da Rua da Igreja), pertencem: o casal do Carreiro; o casal de Peçós; dois casais de Tarrio; o casal das Quintãs; três casais de Bostello e a ermida de Sam Romão (“no monte”).

Os Forais, por ordem do mesmo rei D. Manuel I, confirmam a importância, a autonomia e a extensão de Sam Fins de Ferreira. O Foral da “Terra de Ferreira” (1514), dos territórios de Sanfins de Ferreira, refere apenas uma renda de S. Cibrão. O Foral da “Honra de Sobrosa” (1519), integra no “T. da Freguesia de Sam Fins de Ferreira” um conjunto de terras que se alonga pelo vale: dois casais da Lavandeira, um casal da Fervença; dois casais de Bairros; dois casais de Cavaleiros; Pardelhas; casal e paredes de S. João da Portela; um casal de Várzea.

De 1512 chega também o registo do Mosteiro medieval de renda “Francisquo Saam Fyns de Ferreira”. Deste Mosteiro pouco se sabe. Será de admitir a hipótese do Mosteiro, inicialmente existente na encosta da Freiria (onde foram encontrados pratos e bilhas em barro e cujo espaço religioso medieval é já referido no ano de 976, no testamento de Trastina), ter sido integrado na paróquia e, por isso, transferido para o terreno junto da Igreja, onde (depois de 1836) viria a ser colocado o cemitério paroquial. Deste cemitério ainda nos resta a sepultura de Francisco Ferreira Coelho, bacharel em medicina, 2º marido de Maria da Conceição de Brandão Barbosa e Silva, do Solar dos Brandões.

É ainda no decorrer dos meados deste século XVI que esta Igreja (de “São Pedro Fijz de terra de Ferreira”) foi objeto de grandes obras, tendo-se realizados notáveis afrescos, dos quais ainda restam alguns fragmentos (S. Brás), no “arco triunfal do lado da Epístola e do lado do Evangelho”.

Em 1569, no Livro das Visitações, o arcebispado diz ao comendador que “mande consertar o forro da capela, mais uma caixa para os paramentos”, e fala-se então da Igreja, da Casa da Igreja e da Capela, que será da Nossa Senhora da Guia.

O ano de1617 é de uma importância vital para o processo de identificação do orago desta freguesia. Neste ano, o visitador dá ordem para se colocar “uma imagem de vulto de S. Pedro no nicho do Altar-mor, feita por mão de bom oficial”. É esta a origem, por ordem do Arcebispo e não pela religiosidade do povo, da imagem de São Pedro ad Vincula, pintado no painel que identifica o orago da Paróquia e que se encontra no auditório do Centro Social e Paroquial de Sanfins de Ferreira.

Esta Igreja e “Comenda de S. Pedro de Fins de Ferreira”, pertenceu sempre a grandes senhores da Igreja e fidalgos do Reino. O 1º foi o Cardeal da Santa Sé e o último foi o Conde de Almada.

Na Torre do Tombo, há ainda uma carta enviada pelo do Pároco António Marcelino Martins Machado à Rainha D. Maria, datada de 27/05/1850, sobre assuntos da “Igreja de S. Pedro Fins de Ferreira.” Este período da História de Portugal foi muito tumultuoso: época de revoluções, de guerra civil, de reformas administrativas, de extinção das ordens religiosas e das Comenda. Os estragos por esta terra foram de tal modo que a “Igreja de S. Pedro Fins de Ferreira”, como se vê na padieira da porta central, teve que ser reedificada em 1865.

Em 1882, a Diocese do Porto (700 anos depois da sua restauração) recupera os seus antigos limites (até ao Rio Ave) e a Paróquia de S. Pedro Fins de Ferreira deixa de pertencer à Arquidiocese de Braga.

Autor do documento: Prof. Doutor Ricardo Pereira